ANEMIA DA CARÊNCIA DE FERRO
O ferro, por fazer parte da molécula, é indispensável à produção da hemoglobina, pigmento dos glóbulos vermelhos, que lhes permite o transporte de oxigênio, e cuja falta denomina-se anemia. A carência de ferro é a causa mais comum de anemia (anemia ferropênica).
As razões antecedem a história. O homem primitivo, presume-se, alimentava-se como seus assemelhados do topo da escala zoológica: frutas silvestres, ervas palatáveis, ovos avidamente procurados e presas animais, de larvas a mamíferos de porte. Canibalismo talvez fosse um evento vulgar.
Essa dieta natural aportava-lhe ferro ligado a proteínas animais e vitamina C das frutas, combinação apropriada à absorção do ferro no trato digestivo humano. Em épocas de escassez o homem primitivo deveria ser desnutrido, faminto, mas raramente ferropênico.
O sobrenome sapiens, que o diferenciou dos antropóides, levou o homo à invenção da agricultura: a colheita fixou-o ao solo, a fonte previsível de alimentos deu origem à expansão demográfica. Milhares viraram milhões, agora seis bilhões. Não há proteínas animais para tantos e, infelizmente, o trato digestivo humano não evoluiu para os novos tempos: absorve mal o ferro dos grãos, dos tubérculos e das plantas verdes. Crê-se que 20% da população mundial não têm, no organismo, reservas de ferro suficientes para repor a hemoglobina: qualquer excesso de demanda desencadeia anemia ferropênica. Esta se transformou em problema de saúde pública de espantosa prevalência.
No Brasil, a dieta carente é, por si só, o fator desencadeante de anemia ferropênica, apenas nos seguintes casos:
Nos lactentes, quando alimentados com leite bovino. O ferro do leite, já escasso, é mal absorvido; entre os 6 meses e os 2 anos de idade a anemia é quase universal. O aleitamento materno, com absorção muito superior do ferro, evita a anemia. | |
Nas gestantes de baixa condição sócio-econômica: a passagem de ferro pela placenta, para as necessidades fetais, causa um balanço negativo de ferro; se não houver complementação, haverá anemia. | |
Nos idosos desassistidos: falta de recursos, dentadura em mau estado, inapetência fazem predominar a alimentação composta de café com leite, pão, sopas, virtualmente sem ferro assimilável. | |
Nos vegetarianos restritos: são raros. |
Como se desenvolve a anemia ferropênica?
Fora dos casos acima, a anemia da carência de ferro, como regra, independe da alimentação; decorre de perda crônica de sangue. Nas zonas rurais e litorâneas, sem saneamento, a espoliação por verminose, principalmente na infância, é causa comum.
Nas mulheres em idade fértil, o excesso menstrual (hipermenorréia), não notado ou desvalorizado, é a causa de 95% dos casos de anemia ferropênica, e a razão da prevalência desta ser 20 vezes maior em mulheres que em homens. As pacientes (às vezes, também, os médicos), entretanto, custam a crer ser essa a causa da anemia; habituadas à hipermenorréia, consideram-na “normal, porque sempre foi assim” e persistem em procurar na dieta, na “falta de fixação do ferro”, motivos outros em detrimento da causa óbvia. O ferro do corpo humano não tem mecanismo de excreção e, certamente, não se evapora: perde-se com a perda de sangue.
Nos homens, e numa minoria de mulheres, a anemia ferropênica decorre de perda crônica de sangue no trato digestivo, por gastrite, úlcera, tumores e inflamações intestinais crônicas. O sangue perdido sai digerido na massa fecal; quando o volume excede 50 gramas as fezes tornam-se escuras, luzidias, e com um cheiro fétido (melena). As pessoas, em geral, não atentam para as próprias fezes: a perda de sangue quase nunca é notada.
Diagnóstico
O diagnóstico de anemia ferropênica costuma ser fácil: o hemograma mostra a anemia, caracterizada pela presença de glóbulos vermelhos menores que o normal (microcitose), por faltar-lhes conteúdo hemoglobínico. A dosagem plasmática da ferritina, forma química de armazenamento do ferro no organismo, mostra-a muito baixa ou ausente.
Tratamento
A anemia ferropênica cura-se em dois a três meses com a administração de sulfato ferroso oral. Outros compostos de ferro, mais caros e comercializados com a alegação de que são melhor tolerados pelo trato digestivo, têm absorção insatisfatória. Querer tratar a anemia ferropênica com “alimentos ricos em ferro” (os pacientes geralmente citam fígado, espinafre, feijão, beterraba – esta pela cor) não tem cabimento: o ferro alimentar é sempre insuficiente para esse fim. Se persistir a causa da anemia ferropênica, como por exemplo, em casos de hipermenorréia intratável, a anemia reaparecerá alguns meses ou anos após a cura com o tratamento. Nesses casos sugere-se um controle periódico pelo hemograma, com repetição do tratamento quando necessário.