A SEXUALIDADE DOS CEGOS
Falar da sexualidade já é algo que traz preconceitos e inseguranças. Se a desinformação é um obstáculo social, comprometendo o desenvolvimento sexual de quem enxerga, tratar da sexualidade do deficiente visual é ainda mais nebuloso. A falta de conforto em se falar sobre tal tema o transforma em verdadeiro tabu, pois o desconhecimento cria percepções errôneas, privando os cegos de uma vida sexual plena e prazerosa. Por quê? Será que eles não precisam de formação referente à sexualidade?
Um bom exemplo disso é que nesse mundo onde um dos componentes mais fortes do marketing é o estímulo visual, os cegos ficaram de fora nessa cultura carregada de imagens. É sabido que uma das principais características em vivenciar a sexualidade se constrói baseada na visão. O olhar aproxima, atrai ou afasta o consumidor. Apesar disso, enxergar não é fundamental para o desenvolvimento da sexualidade. Não é a cegueira que impede a pessoa de ver.
Não podemos deixar de pensar que esse é um assunto, inclusive, de difícil acervo bibliográfico, ainda que o Brasil some quase 17 milhões de pessoas que possuem algum grau de deficiência visual. Estamos falando de mais do que a metade dos portadores de deficiência brasileiros.
Pela falta de aproximação dos dois mundos – dos que enxergam e dos que não enxergam – cria-se um mundo de preconceito. Há uma ignorância em massa que aumenta o desconhecimento, descartando-se a possibilidade do exercício saudável da sexualidade. É preciso inclusão para que haja mudança de atitude. Para tanto, se faz necessário desconstruir a idéia vigente, dando lugar, não só à inclusão social, como também à qualidade de vida, conseguida através da conscientização da sociedade. Afinal, é ignorância elaborar preconceitos sem tentar conhecer a realidade. Convém esclarecer e mostrar que falta de visão não é falta de sexualidade.
As questões da sexualidade são pertencentes a todos, deficientes ou não. Infelizmente, nem todos percebem que os cegos não são seres assexuados. Antes de serem cegos, são homens e mulheres.
Sabe-se que o olhar funciona como uma linguagem de atração. É um estado inicial que, quando ultrapassado, se conecta aos outros sentidos: olfato, audição, tato e até paladar. A imagem é construída pelo conjunto de todos eles. Ultrapassado o momento inicial da atração, os outros sentidos são somados para compor o momento. Ou seja, ainda que a visão seja um poderoso estímulo na sexualidade, os cegos aprendem que nem todas as visões são impressas pela retina.
Por conta da ausência de um dos sentidos, tais pessoas percebem de forma mais aflorada aquilo que tocam, cheiram ou ouvem. Há um pouco do olhar em cada um desses sentidos que faz com que a sexualidade possa ser percebida por todos eles. Não é preciso ver com os olhos para se gostar de alguém. Outros fatores são importantes na atração: a simpatia, a inteligência, o papo. Há outros meios de avaliação que não a beleza física. A visão traz análises superficiais: a aparência, todos sabem, ilude.
Devido a uma sensibilidade aguçada, o sexo encontra-se vinculado ao amor e ao carinho. Mais importante do que o ato em si são as carícias e a estimulação de todos os sentidos. A sexualidade é ampliada para a inclusão da afetividade. Os cegos sabem que a afinidade não depende só dos olhos.